O MATADOR DE PASSARINHO
Por GUSTAVO LEITÃO
Ainda me recordo das férias de janeiro em Uberlândia, na antiga casa de meu pai. A casa era toda linda, para tentar afastar o clima seco de Uberlândia fizeram a casa aberta e arejada. O vento que entrava pela cozinha cortava a casa toda, voltando do primeiro ao ultimo cômodo.
“Que bom que você veio Fred, achei que não vinha mais”. Dizia-lhe, manifestando alegria impaciente pela demora de sua chegada. Explicava-me que vinha do Rio e que estava na casa da tia Mirinha, que sempre gentil e amorosa, ao saber de sua vinda para Uberlândia pediu que me trouxesse uma bolsa de viagem e um boné que muito me agradou. Mas, dentro as bagagens do Frederico havia algo que chamaria minha atenção mais do que os presentes vindo do Rio.
“É uma arma que atira bolinha de chumbo”. Ajudando a desfazer as malas, me deparei com uma caixa em meio às roupas.
Para o resto das férias de janeiro aquela pistola que atirava chumbinhos iria tomar minha atenção e tudo o que pretendia fazer envolvia a arma de chumbo.
“Pra que ir ao Shopping levando essa arma de chumbo” , indagou o primo quando lhe propus que fossemos para o shopping levando a pistola.
“Precisamos saber qual é o efeito do tiro da pistola no corpo humano”. Era a dúvida que o primo carregava. Pediu-me que lhe ajudasse com dúvida descobrindo o potencial ofensivo da arma. “Vou dar um tiro no seu pé, ai você me diz como se sente”. Depois de chorar rios de lágrimas acabou me consolando o trêmulo primo. “Se você parar de chorar e não contar para o seu pai eu te empresto a arma por todo mês de janeiro”.
Estava feito o acordo, era só parar de chorar e não ficar mancando na frente do meu pai e seria minha a arminha de chumbo por todo mês de janeiro.
“Os copos de vidro andam sumindo da prateleira” Observou a funcionária que prestava serviços à família de meu pai, depois da pergunta achei por bem não atirar tanto com a arma de bolinhas de chumbo.
Da rede que ficava na garagem dava para ver os pardais no fio de alta tensão. Dizem que os pardais vieram de Portugal em gaiolas de madeira.
Observando os pássaros portugueses me lembrei de uma história: eram pássaros sobremaneira capazes, num tempo bem distante dos nossos dias. Essa capacidade era tamanha que os pardais se organizaram em sociedade que se estruturou em três grandes poderes: legislativo, executivo e o judiciário. Quem contou a história disse que por causa de uma demência os pardais perderam toda sua capacidade. Segundo contaram, o primeiro foco da doença foi observada no poder legislativo, pois esse aprovava leis que permitiam a destruição das florestas e diplomava pardais envolvidos com corrupção. Logo depois foi a vez do poder executivo e do poder Judiciário. O governante deste primeiro poder indicava ao segundo, pássaros que mau mau sabia voar para ocupar posições de decidir a vida de todos os pardais daquela sociedade de pardais supertodatos.
Aconteceu que a demência foi tamanha que os pássaros voltaram para vida comum e a única sabedoria que sobrou aos pardais foi a de não cantar, porque passarinho que canta acaba na gaiola. É o que me contaram, mas não creio que seja verdade. Que tipo de demência seria essa que tornaria os pardais assim?
“Fred, e se a gente atirasse nos pardais” foi minha grande idéia, que de início não agradou o primo que hesitou. Resolvemos juntos perguntar para o meu pai, “mas atirar em pássaro parado é covardia, voando ainda ele tem chances de escapar”.
Estava decidido iríamos atirar em pássaros voando. O Fred ficou olhando, mas hora nenhuma tentou acertar os pássaros. Fiquei sozinho nessa.
Não me dei por vencido e continuei a insistência, até que ele ofereceu, “olha eu só vou atirar para assustar e fazê-los voar para você tentar acertá-los voando”, no meu íntimo eu sabia que o primo que eu não iria acertar nada, por isso aquela proposta. Não quis mais insistir fiquei observando, enquanto o Fred atravessa a rua, e numa distância que parecia não oferecer nenhum perigo, apontou a arma e disparou. O que ele não esperava era que a arma tivesse uma variação na pontaria, e o desvio fosse suficiente para acertar em cheio o pequeno pardal.
O pobre passarinho português caiu como se colocasse a mão no coração, desceu do fio ao chão rodando rodando com uma asa aberta e outra fechada. O primo Frederico saiu correndo e tomou o pássaro na mão e lamentou, com os olhos arregalados me olhou. O sangue boliviano que fez seus olhos puxados foi o mesmo que circulou adrenalina para pasmar a visão.
Seguiu-se o enterro, num dia incerto do mês de janeiro de 1997. O finado passarinho teve funeral, choro e velas. O caixão do pequeno pardal era um rolo vazio de papel higiênico, o véu que envolveu o corpo penoso do animal era o resto de papel do mesmo rolo.
O pobre primo arrependido seguiu sozinho carregando o finado em uma das mãos, a consciência abaixou-lhe a cabeça. Eu fui atrás segurando a pistola e analisando o primo, fiquei com medo dele querer ir embora pra Belo Horizonte.
Depois daquele episódio eu não vi mais a arminha de chumbinhos, e nem perguntei sobre ela, toda vez que me referia a ela vinham os cascudos. Acho que foi a morte do pardal que transformou o coração do Fred e formou um coração de ambientalista.
Um dia lembrei dessa história quando em um dos seus e.mail vi uma frase assim:
“"Todo mundo 'pensando' em deixar um planeta melhor para nossos filhos...
Quando é que 'pensarão' em deixar filhos melhores para o nosso planeta?"
Isso é coisa do Gustavo, meu querido primo!
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